Com alguns avanços, COP16 conclui com desafios para a implementação do Marco Mundial sobre a Biodiversidade

November 3, 2024
Stand.earth celebra o reconhecimento do papel dos Povos Indígenas na proteção da biodiversidade, mas pede medidas mais ambiciosas para enfrentar brechas de financiamento

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Cali, Colômbia (3 de novembro de 2024) – A Conferência das Nações Unidas sobre a Biodiversidade (COP16) foi suspensa ontem com importantes conquistas, mas também grandes desafios para a implementação do Marco Mundial sobre a Biodiversidade, que estabelece metas para salvaguardar e utilizar a biodiversidade de maneira sustentável. A Stand.earth parabeniza as delegações da Colômbia e do Brasil, que apresentaram propostas ousadas e ambiciosas, gerando esperança de uma mudança transformadora para a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (COP30), que ocorrerá no Brasil no próximo ano.

 

Principais avanços na COP16

 

  • Criação do Órgão Subsidiário Permanente sobre o Artigo 8j (SB8J): Um dos avanços mais significativos foi a criação de um Órgão Subsidiário Permanente que formalizará o poder de tomada de decisões dos Povos Indígenas e das comunidades locais nas decisões de conservação da biodiversidade da ONU. Proposto originalmente pela Bolívia em 2016, a criação do SB8J enfrentou anos de discussões estagnadas e falta de consenso político. Na COP15, realizada no Canadá em 2022, as discussões permaneceram inconclusas e as decisões foram adiadas para a COP16. A criação do SB8J é um grande passo, embora ainda não haja consenso sobre seu modus operandi, que se espera ser definido na próxima Conferência de Biodiversidade da ONU.

 

  • Reconhecimento do papel dos afrodescendentes na conservação da biodiversidade: Outro avanço foi o reconhecimento das contribuições das pessoas de ascendência africana, especialmente aquelas que incorporam estilos de vida tradicionais, na conservação da biodiversidade e na implementação da Convenção. Esta decisão convida as Partes a reconhecer seu conhecimento e conexão com a terra, em alinhamento com o Marco Mundial sobre a Biodiversidade de Kunming-Montreal. Também é encorajado que as Partes facilitem a participação dessas comunidades nos esforços de biodiversidade, protejam seu conhecimento e práticas, forneçam apoio financeiro e capacitação, e incluam suas contribuições nos relatórios nacionais de biodiversidade.

 

  • Alinhamento das discussões sobre biodiversidade e clima: Desde o estabelecimento das Convenções do Rio, cada uma progrediu de maneira independente, apesar das conexões intrínsecas entre elas. Pela primeira vez, propõe-se alinhar essas agendas, reconhecendo que abordar a biodiversidade e a mudança climática em conjunto permite soluções sustentáveis mais eficazes. A biodiversidade desempenha um papel crítico na regulação do clima, com ecossistemas como florestas, zonas úmidas e oceanos atuando como sumidouros de carbono para mitigar os gases de efeito estufa. Ecossistemas saudáveis também reforçam a resiliência frente aos impactos climáticos ao amortecer inundações, mitigar incêndios e reduzir o calor urbano. No entanto, a mudança climática acelera a perda de biodiversidade, interrompendo habitats e funções do ecossistema. Se por um lado a Stand.earth celebra o progresso em direção à integração das Convenções do Rio, por outro, é decepcionante que, apesar dos consideráveis esforços da Colômbia, todas as referências a combustíveis fósseis tenham sido eliminadas. Os combustíveis fósseis são os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, e uma menção explícita a eles é essencial. Além disso, preocupa o fato de que as Partes tenham eliminado a referência à bioenergia como uma possível ameaça tanto para o clima quanto para a biodiversidade, em particular para as florestas.

 

Desafios pendentes

 

  • Resistência da União Europeia, do Reino Unido e do Japão à criação de um Fundo dedicado para a biodiversidade: Na COP16, a mobilização de recursos foi um tema polêmico, com os países em desenvolvimento defendendo um fundo dedicado à biodiversidade sob a governança da COP, separado do atual Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). A Colômbia propôs um novo fundo, destacando opções de dívida soberana, mas os países mais ricos, incluindo os EUA, o Reino Unido e o Japão, se mostraram resistentes, preferindo fortalecer as contribuições ao GEF. Embora um rascunho de texto tenha proposto estabelecer um novo fundo global para a biodiversidade até 2025, a decisão foi adiada, com o Panamá propondo revisar o quórum na manhã de 2 de novembro. Enquanto isso, os países desenvolvidos comprometeram-se a aportar cerca de US$ 396 milhões ao Fundo do Marco Global de Biodiversidade do GEF, muito abaixo da meta de Kunming-Montreal de US$ 20 bilhões para 2025, o que ressalta a persistente lacuna de financiamento para iniciativas de biodiversidade e a frustração das nações em desenvolvimento com os compromissos financeiros não cumpridos.

 

  • Decepção por não considerar os Territórios Indígenas nos indicadores principais do objetivo 3 “30×30”: A suspensão da Plenária devido à falta de quórum deixou pendente a aprovação do documento sobre Mecanismos e Revisão. No entanto, as discussões nos Grupos de Contato revelaram uma oposição significativa ao reconhecimento dos Territórios Indígenas como uma categoria de conservação distinta sob o objetivo 30×30 do Objetivo 3. O rascunho do documento que aguarda aprovação continua focando apenas na cobertura de áreas protegidas e outras medidas de conservação baseadas em áreas, sem reconhecer as contribuições e direitos únicos dos Povos Indígenas na conservação. Durante a COP15, os Povos Indígenas e as comunidades locais defenderam esse reconhecimento, e nesta COP foi perdida uma oportunidade para integrar os Territórios Indígenas como elementos vitais na realização dos objetivos de biodiversidade.

 

  • Exclusão das atividades ilegais como um fator de perda de biodiversidade e desmatamento: Apesar do acordo para fortalecer a cooperação entre convenções, as negociações da COP16 ignoraram o impacto crítico das economias ilegais – como a mineração e a exploração madeireira – na perda de biodiversidade e na mudança climática. A Colômbia propôs um ponto de agenda dedicado a melhorar a cooperação entre as diversas convenções; no entanto, as discussões se concentraram na colaboração com a Secretaria da UNFCCC, excluindo outros mecanismos relevantes da ONU que tratam de atividades ilegais na Amazônia, como a Convenção de Minamata e a Convenção sobre o Crime Organizado Transnacional. Essa abordagem limitada perde uma importante oportunidade para abordar as atividades ilegais como fatores principais da degradação ambiental em ecossistemas vulneráveis como a Amazônia.

 

Gisela Hurtado, Coordenadora de Campanhas pela Amazônia na Stand.earth, disse:

“A COP16 marcou um progresso essencial ao criar o Órgão Subsidiário Permanente sobre o Artigo 8j e ao reconhecer o papel das comunidades afrodescendentes na conservação da biodiversidade. No entanto, persistem lacunas significativas. A ausência dos Territórios Indígenas como uma categoria de conservação distinta no objetivo 30×30, os compromissos de financiamento limitados das nações mais ricas e a exclusão das atividades ilegais como fatores de perda de biodiversidade e desmatamento revelam os desafios contínuos. O verdadeiro progresso requer tanto compromissos financeiros quanto uma abordagem integral para enfrentar as crises de biodiversidade e clima, incluindo a confrontação dos impactos dos combustíveis fósseis e das economias ilegais.

Destacamos a liderança da Colômbia em abordar a mudança climática e a biodiversidade conjuntamente, um passo que já era necessário. No entanto, é lamentável que alguns países tenham eliminado ativamente as referências aos combustíveis fósseis, a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa, enfraquecendo assim o impacto dessas decisões. Mantemos a esperança de que a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que ocorrerá no final deste mês, aproveite a oportunidade para fortalecer essa agenda e construa um caminho claro para a COP30, onde os Povos Indígenas estão depositando suas esperanças de uma mudança transformadora.

Destacamos também a liderança do Brasil na criação do Órgão Subsidiário Permanente sobre o Artigo 8j. Este novo organismo marca uma mudança monumental na forma como a biodiversidade global é gerenciada, garantindo que os Povos Indígenas e as comunidades locais tenham um papel contínuo e significativo na tomada de decisões.”

 

Tegan Hansen, Coordenadora de Campanhas pela proteção de florestas na Stand.earth, disse:

“Com a suspensão agridoce da COP16, celebramos a contínua liderança dos Povos Indígenas e seu sucesso crítico nesta cúpula com a criação de um novo organismo permanente sob a convenção de biodiversidade da ONU. No entanto, continuamos vendo uma devastadora falta de ambição por parte dos países de todo o planeta, especialmente daqueles que são mais responsáveis pela crise da biodiversidade. Em vez de promover distrações perigosas como a energia de biomassa, precisamos que os países avancem com soluções reais, como proteger as florestas primárias, defender os direitos Indígenas e acabar com os subsídios prejudiciais, tanto nesses acordos internacionais quanto nas políticas internas.

À medida que olhamos para as negociações climáticas na COP29, continuamos exigindo que países como o Canadá se elevem ao nível que essa crise demanda, tomando medidas significativas no cenário internacional e em casa para defender os ecossistemas dos quais todos dependemos.”

 

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Notas aos editores

Gisela Hurtado, Coordenadora de Campanhas pela Amazônia, e Tegan Hansen, Coordenadora de Campanhas pela proteção de florestas, estão disponíveis para entrevistas.

Contatos

Lays Ushirobira, Gerente de Comunicações – Amazônia
lays.ushirobira@stand.earth / +34 685 20 05 91 

Kathryn Semogas, Especialista de Comunicações – Canadá
kathryn.semogas@stand.earth / +1 905 536 3800