Políticas ambientais e sociais dos principais financiadores de petróleo e gás da Amazônia não protegem a floresta e seus povos
June 11, 2024
São Francisco (Estados Unidos) – Em relatório lançado hoje, a Stand.earth e a Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) pedem a grandes bancos internacionais que acabem com o financiamento da extração de petróleo e gás na Amazônia, para proteger os 80% restantes da maior floresta tropical do mundo até 2025. O relatório ressalta o abismo entre as políticas ambientais e sociais reivindicadas pelos principais financiadores e a destruição que eles financiam na região, num momento em que a Amazônia se aproxima de um ponto de não retorno, que ameaça os povos indígenas, as comunidades locais, a floresta, sua biodiversidade e a continuidade da vida no planeta.
O relatório “Greenwashing na Amazônia” revela que, em média, 71% da Amazônia não é efetivamente protegida pelas estruturas de gestão de risco ambiental e social dos cinco principais financiadores de petróleo e gás da Amazônia – Citibank, JPMorgan Chase, Itaú Unibanco, Santander e Bank of America. Isso significa que esses bancos deixam a maior parte do território amazônico vulnerável, sem gerenciamento de risco para mudanças climáticas, biodiversidade, cobertura florestal e direitos dos povos indígenas e das comunidades locais.
O HSBC, outro grande financiador do petróleo e gás na Amazônia, é o único na análise que apresentou um exemplo positivo de política. Em dezembro de 2022, o banco britânico assumiu o compromisso de parar de financiar petróleo e gás da Amazônia. Essa política apresentou bons resultados até agora: nenhuma nova transação financeira foi registrada em 2023 para o HSBC na base de dados Amazon Banks Database da Stand, que reúne os bancos envolvidos em transações de empréstimo e subscrição de títulos para empresas com atividades de petróleo e gás na Amazônia peruana, equatoriana, brasileira e colombiana.
O relatório também detalha como os fluxos irrestritos de capital para o setor de petróleo e gás estão ameaçando os povos indígenas e seus territórios. A análise mostra que, no Equador, os blocos de petróleo e gás apresentam sobreposição a 65% (4,5 milhões de hectares) dos territórios indígenas. Dados do Ministério do Meio Ambiente, Água e Transição Ecológica do país identificam mais de 4.600 derramamentos de petróleo e contaminação entre 2006 e 2022, sendo que mais de 530 desses derramamentos de petróleo ocorreram em territórios indígenas, afetando gravemente os meios de subsistência dos povos indígenas.
“Desde que a exploração de petróleo começou, há 60 anos, na Amazônia equatoriana, prometeram progresso, saúde, bem-estar e educação, mas, acima de tudo, uma vida digna. No entanto, desde então, os povos indígenas têm sido vítimas de um sistema corrupto que perpetua a violência contra nós, tira nosso território, recursos naturais, irmãos e irmãs e nossa qualidade de vida,” diz José Esach, presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (CONFENIAE), que representa cerca de 1.500 comunidades pertencentes às etnias Kichwa, Shuar, Achuar, Waorani, Sapara, Andwa, Shiwiar, Cofan, Siona, Siekopai e Kijus. “Se os bancos realmente se preocupam com os direitos indígenas, eles deveriam parar de financiar atividades que estão nos prejudicando. Exigimos que bancos como Citibank, JPMorgan Chase, Santander e Bank of America parem de financiar a PetroEcuador, a Gunvor e a Vitol. Os líderes dessas instituições financeiras devem assumir suas responsabilidades.”
No Peru, as concessões de petróleo e gás apresentam sobreposição a 33% (15,4 milhões de hectares) de territórios indígenas. A expansão do setor no Peru nos últimos anos inclui uma ampliação multibilionária da refinaria Talara da Petroperú, que aumentará a pressão para produzir petróleo da Amazônia peruana em florestas tropicais primárias, lar dos povos Achuar, Wampis, Kichwa, Quechua e Urarina. Além disso, o setor de petróleo e gás ameaça destruir reservas no Peru que são cobertas por florestas tropicais intocadas e habitadas por alguns dos últimos povos indígenas não contatados do mundo que vivem em isolamento voluntário. Cerca de 20% de uma área estimada de 7.460.000 hectares de reservas destinadas à proteção de povos indígenas em isolamento e situações de contato inicial são sobrepostas por blocos de petróleo e gás.
“O Estado, os bancos e as empresas que exploram petróleo e gás alegam que fazem isso em nome do ‘progresso’, mas são cúmplices no ataque à vida dos povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial; à nossa Amazônia peruana, que guarda mais de 32,5 milhões de florestas intactas; e à biodiversidade que sustenta a vida de nossos povos e do planeta. Exigimos que JPMorgan Chase, Citibank e Bank of America assumam a responsabilidade pelos danos que estão causando na Amazônia peruana e pelas consequências que estamos sofrendo. Eles devem saber que, se isso continuar, os povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial desaparecerão com seus territórios e sistemas de conhecimento – e com eles, nossa esperança de salvar a Amazônia e o planeta também desaparecerá,” diz Jorge Pérez, presidente da Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Floresta Tropical Peruana (AIDESEP).
Além da falta de cobertura geográfica, o estudo revela que 72% de todas as transações de financiamento de combustíveis fósseis são estruturadas de forma a minimizar a identificação e a priorização de valores ambientais e sociais nas estruturas de gerenciamento de risco dos bancos. O resultado é que os processos de due diligence podem não identificar com precisão os riscos para as pessoas e a natureza, limitando substancialmente a aplicação de mecanismos como exclusões e triagens, que são projetados para ajudar os bancos a tomar decisões de financiamento de projectos e clientes com base na possibilidade de impactos adversos.
O relatório recomenda que os bancos adotem uma política de exclusão geográfica que abranja todas as transações envolvendo o setor de petróleo e gás na Amazônia. Essa é uma abordagem semelhante, porém mais abrangente, às exclusões do Ártico adotadas pelos bancos em 2020 para proteger os valores ambientais e sociais globalmente significativos dessa região. Isso é proposto como a única solução viável para proteger os 80% restantes da Amazônia, para evitar a perda de biodiversidade, mitigar as mudanças climáticas e defender os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais. Além disso, o relatório traz recomendações de como os bancos podem melhorar suas políticas em geral, indo além do gerenciamento do risco de reputação e criando abordagens mais voltadas para o futuro e que valorizem os verdadeiros custos dos impactos adversos para as pessoas e a natureza, à medida que o mundo enfrenta as crises das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade.
DESTAQUES DO RELATÓRIO
O relatório revela que muitas transações financeiras são estruturadas de forma a minimizar a identificação de valores ambientais e sociais nas estruturas de gerenciamento de risco dos bancos. Foram analisadas mais de 560 transações envolvendo atividades de petróleo e gás por cerca de 280 bancos nos últimos 20 anos, usando a base de dados Amazon Banks Database da Stand, para determinar se são comuns as estruturas de negócios que contornam exclusões e filtros.
Os bancos norte-americanos Citibank e JPMorgan Chase são os principais financiadores de petróleo e gás na Amazônia, de acordo com o Amazon Banks Database. O relatório mostra que ambos os bancos canalizaram US$ 2,32 bilhões e US$ 2,25 bilhões, respectivamente, para o financiamento direto do setor de petróleo e gás na região nos últimos 20 anos.
A maioria dos mecanismos do Citibank para a gestão de riscos ambientais e sociais é aplicada apenas a financiamentos relacionados a projetos. Sua exclusão geográfica abrange apenas 2% da Amazônia, enquanto as triagens cobrem outros 44% da região. O relatório mostra como as brechas nas políticas e as estruturas de negócios podem enfraquecer a devida digiligência. Por exemplo, apesar de ter uma política sobre direitos dos povos indígenas, o Citibank ainda forneceu um financiamento estimado em US$ 125 milhões à Hunt Oil Perú, uma empresa criada para o Projeto Gás de Camisea, que violou os direitos dos povos indígenas na Amazônia peruana. A transação foi um título sindicalizado para fins corporativos gerais – a estrutura de transação mais comum na base de dados da Stand e o tipo de financiamento mais limitante para a due diligence bancária.
O relatório também mostra que, somente em 2023, o JPMorgan Chase destinou cerca de US$ 126 milhões em novos financiamentos diretos para a produção de petróleo e gás na Amazônia colombiana para a Ecopetrol e a Gran Tierra. No mesmo ano, o banco foi um dos principais financiadores da Hunt Oil no Peru, com um financiamento direto adicional de US$ 125 milhões. A Hunt Oil Peru é parceira do Projeto Gás de Camisea, que afetou os povos indígenas em isolamento voluntário em reservas sobrepostas por blocos de petróleo. Em março de 2024, o JPMorgan Chase se retirou dos Princípios do Equador, que servem como base comum para que instituições financeiras identifiquem, avaliem e gerenciem riscos ambientais e sociais ao financiar projetos.
O terceiro maior financiador é o brasileiro Itaú Unibanco. A política de gestão de risco ambiental e social do Itaú Unibanco não tem nenhuma exclusão ou filtro que se aplique às operações de petróleo e gás na região. Uma análise das transações financeiras capturadas na base de dados da Stand revela que 99% dos negócios do banco relacionados a petróleo e gás na Amazônia nos últimos 20 anos não se qualificam para revisão de acordo com os Princípios do Equador, embora estejam relacionados a grandes produtores, como Eneva, Frontera, Geopark, Petrobras, Petroquimica Comodoro Rivadavia e Transportadora de Gas del Perú.
O banco espanhol Santander – o maior financiador europeu de petróleo e gás na Amazônia e o quarto maior do mundo – forneceu quase US$ 1,4 bilhão em financiamento direto ao setor entre 2009 e 2023. O Santander tem uma das políticas de exclusão mais abrangentes, cobrindo 16% da Amazônia com proibições de financiamento de petróleo e gás em Patrimônios Mundiais da UNESCO, sítios Ramsar e algumas áreas protegidas da UICN. Embora melhor do que a de outros bancos nesta análise, a política do Santander fica aquém na prática: 85% de suas transações rastreadas diretamente para a Amazônia são para títulos sindicalizados, que carecem de transparência e reduzem a responsabilidade do banco como contribuinte para impactos adversos.
O Bank of America, maior financiador de petróleo e gás na Amazônia para 2023, de acordo com o relatório “Banking on Climate Chaos”, tem uma política de gestão de risco ambiental e social que não afeta a maioria de seus financiamentos na Amazônia. De acordo com o Stand Research Group, 99% das transações em que o Bank of America é credor são consorciadas e 95% são para uso amplo dos recursos. Isso significa que essas transações não teriam sido necessariamente submetidas a uma triagem aprimorada.
O relatório “Greenwashing na Amazônia” foi respaldado por ActionAid, Banktrack, Rainforest Action Network e 24 outras organizações da sociedade civil.
Desde que a Stand.earth lançou a campanha Exit Amazon Oil and Gas, bancos como BNP Paribas, Natixis, ING e Credit Suisse se comprometeram a encerrar o financiamento do comércio de petróleo de portos do Equador e do Peru, o que abrange grande parte do comércio de petróleo bruto da Amazônia. Além disso, o BNP Paribas, o Société Générale, o Intesa Sanpaolo e o Standard Chartered também se comprometeram com vários tipos de exclusões do financiamento de petróleo e gás da Amazônia. O HSBC e o Barclays aplicaram as primeiras políticas abrangentes de exclusão geográfica, que usam a definição de Amazônia desenvolvida pela Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (RAISG), conforme recomendado pela Stand.earth.
A Stand.earth e a COICA pedem aos bancos que se comprometam a:
- Não realizar novos financiamentos e investimentos em petróleo e gás
- Acabar com os atuais financiamentos e investimentos em petróleo e gás
- Acabar com o financiamento do comércio de petróleo e gás
- Acabar com o financiamento corporativo para comerciantes de petróleo
- Ajustar as carteiras de financiamento para enfrentar as crises climáticas e de biodiversidade e apoiar o desenvolvimento sustentável para proteger 80% da Amazônia até 2025
Líderes da Stand.earth e da COICA, e cientista especialista em temas relacionados à Amazônia, oferecem as seguintes declarações:
Fany Kuiru, Coordenadora Geral da COICA (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica):
“Nosso território está ameaçado por constantes incêndios, nossos rios estão poluídos ou secando. Nosso destino é o seu destino: a Amazônia é fundamental para o futuro do nosso planeta. Os bancos tentam lavar as mãos da culpa por meio de políticas ineficientes, mas devem ser responsabilizados pelos danos que seu dinheiro está causando aos povos indígenas da Amazônia e à biodiversidade da floresta tropical. Nenhuma gota de petróleo da Amazônia foi extraída com o consentimento dos povos indígenas. Exigimos que Citibank, JPMorgan Chase, Itaú Unibanco, Santander e Bank of America ponham fim ao financiamento de petróleo e gás.”
Todd Paglia, Diretor Executivo da Stand.earth:
“Por meio de suas políticas enganosas e promessas vazias, esses bancos estão tentando fazer greenwashing da extração de petróleo e gás na Amazônia e obscurecer os impactos destrutivos de seus investimentos que devastam o ecossistema. Eles afirmam que se preocupam com as mudanças climáticas, a biodiversidade e os povos indígenas, mas esses compromissos não significam nada até que os bancos parem de abastecer com bilhões de dólares a expansão brutal de petróleo e gás na região. Juntamente com os povos indígenas, estamos pedindo aos bancos que parem com o greenwashing e encerrem o financiamento de projetos de petróleo e gás na Amazônia, o que é muito necessário para proteger os 80% restantes da maior floresta tropical do mundo e evitar o ponto de não retorno. Bancos como o HSBC já fizeram mudanças significativas em suas políticas nessa direção. O Citibank, o JPMorgan Chase e o Santander devem seguir o exemplo, aplicando uma política de exclusão geográfica de petróleo e gás em toda a Amazônia.”
Angeline Robertson, Pesquisadora Sênior na Stand.earth e autora do relatório:
“Os cinco maiores financiadores de petróleo e gás da Amazônia não aplicam suas políticas de gestão de risco ambiental e social a 71% da Amazônia. E onde elas se aplicam, estão cheias de brechas que podem tornar as políticas ineficazes. Nosso relatório revela como o greenwashing funciona na prática, permitindo que os bancos continuem a financiar bilhões de dólares para empresas de petróleo e gás na região, atrasando a ação climática real. O tempo está passando para a Amazônia e não podemos permitir que as instituições financeiras fechem os olhos para os danos que seu dinheiro possibilita. Somente aplicando exclusões em toda a Amazônia para o financiamento de petróleo e gás, sem brechas, é que bancos como o Citibank e o JPMorgan Chase poderão criar políticas que estejam à altura de suas metas de evitar impactos sobre as pessoas e a natureza.”
Carlos Nobre, Cientista e referência mundial em estudos sobre mudanças climáticas:
“Grande parte da floresta amazônica do sul e sudeste está muito próxima de um ponto de não retorno. Isso significa que mais de 50% de toda a floresta se autodegradará em um ecossistema de dossel aberto e não será mais capaz de proteger o ecossistema como é agora. Isso levará à extinção de grande parte da rica biodiversidade amazônica e à emissão de mais de 250 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, o principal gás de aquecimento global, o que tornará impossível manter o aumento da temperatura da Terra abaixo de 1,5 °C. Haverá também uma diminuição substancial dos “rios voadores”, que transportam grandes quantidades de vapor de água da Amazônia para os Andes e para o centro e o centro-leste da América do Sul. É essencial acabar com o desmatamento, a degradação e os incêndios florestais e acelerar a restauração em larga escala da floresta amazônica para evitar o ponto de não retorno. Para isso, é essencial que o setor financeiro pare imediatamente de financiar a exploração de minerais, petróleo, gás natural e agricultura extensiva na Amazônia. Não há mais tempo: os bancos precisam implementar uma exclusão geográfica que garanta a sobrevivência da maior floresta contínua do planeta.”
Notas aos editores:
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